domingo, 27 de janeiro de 2013

A mulher-Atena: transformando sonhos em realidade


Artigo apresentado como requisito à Formação em Psicoterapia Corporal (Centro reichiano) por Tamaris Fontanella em agosto/2008

Resumo

Na atual sociedade vemos uma transformação do Sagrado Feminino. Uma nova tendência de mulheres em contato consigo mesmas transformando seus propósitos e sonhos em objetivos. Essa busca do reencontro com a Deusa Interior vem trazendo o arquétipo da mulher-Atena como a vanguarda de uma geração feminina de busca da igualdade social, de pensamentos e de transformação de sonhos reprimidos em realidade.

Palavras-chave: Arquétipo, Deusa, Mulher-Atena, Realidade, Sagrado feminino.





Se olharmos à nossa volta, veremos muitos sinais evidentes de um surgimento de uma nova lucidez feminina.

Entretanto devido à rica variedade dos tantos diferentes tipos de mulheres fica difícil determinar com precisão as origens dessas transformações na consciência feminina, mas de fato podemos apontar que a relação da mulher com ela mesma, o resgate da auto-estima nas sociedades ocidentais, o controle de natalidade que as liberou da sucessão de gravidezes, um melhor sistema de saúde e o acesso mais facilitado a informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e métodos anticoncepcionais, a abertura de carreiras profissionais nos mercados urbanos, uma legislação mais liberal para o divórcio que permitiu que estas saíssem de casamentos destrutivos sem um estigma social externo contribuíram para essa lucidez de uma nova classe feminina.

Classe feminina hoje, que não está um mar de rosas, mas que toma atitudes diante da sua sexualidade, transformando hábitos, tradições, anseios sexuais e espirituais e estão descobrindo que por suas forças interiores podem provocar mudanças da sua própria realidade em direção ao autoprazer e realização na busca das Deusas Interiores.

Os arquétipos mais ativos na vida das mulheres modernas e na sociedade contemporânea, segundo Woolger&Woolger são: “a mulher-Atena, a mulher-Afrodite, a mulher-Perséfone, a mulher-Ártemis, a mulher-Deméter e a mulher-Hera” (WOOLGER&WOOLGER, 2007, p. 15).

Todas têm seus objetivos e ideais bem traçados e embora possam se mesclar em diversos momentos da vida feminina, uma delas chama mais a atenção em nossa sociedade pela sua busca de equiparação com o mundo masculino: a mulher-Atena.

A busca da realização profissional numa carreira regida pela deusa da sabedoria e da civilização resume a mulher-Atena. Muito mais pode ser entendido da posição desse arquétipo do Sagrado Feminino quando revemos o seu nascimento na Mitologia.


Na versão mais antiga do nascimento do mito de Atena, a de Hesíodo, a Deusa fora originalmente gerada de uma deusa guerreira, Métis, porém foi colocada no mundo diretamente de um corpo masculino:

“Zeus engravidara Métis, a Titã. Temendo um oráculo que decretara ser um menino que iria depô-lo, Zeus engodou Métis e a engoliu. Mas a criança continuou a crescer dentro de Zeus até que, por fim, ele veio a sofrer de dores de cabeça tão atrozes que convocou Hefaístos, o ferreiro, para rachar-lhe o crânio com um machado. Com um grito de batalha selvagem, Atena saltou para fora, inteiramente armada” (TORRANO, 1991, p. 887).


A Deusa Atena, Minerva para os latinos, nasce assim da cabeça de Zeus, armada, pronta para a batalha, protegida com uma armadura dos pés a cabeça, sem ter conhecido ou ter tido contato com sua mãe durante a gestação, retratando um momento histórico em que o patriarcado se impõe sobre a ordem anterior do matriarcado.

“Amiga dos heróis, mas especialmente do heroísmo (...) Atena é uma mulher, mas é como se fosse um homem; ou então é como se fosse de outra espécie, uma amiga fiel a quem pode contar tudo, contando que seja lícito e justo” (NARDINI, 1982, p. 27), e conforme o mito vai se desenrolando, essa Deusa torna-se uma boa companheira para seu pai e uma íntima conselheira.

Por sua proximidade com o deus supremo, Zeus, ocupa um lugar de eminência no panteão grego:
“Mas ela é também Providência estrita e justiceira: sentada ao lado de Zeus, é a única a saber onde jazem ocultos os raios das tempestades, a deter pleno direito e poder de usá-los e utilizar a égide, o terrível escudo de seu pai, Zeus, com quem tem inúmeros traços e epítetos em comum e com quem é muitas vezes adorada em conjunto, nos locais mais antigos de seu culto” (KERÉNYI, 1978, p.8-9).

No mundo moderno é muito fácil identificar a mulher-Atena, pois em todos os sentidos “ela está no mundo (...) sempre em evidência por ser extrovertida, prática e inteligente” (WOOLGER&WOOLGER, 2007, p. 41), mostra que “pensar bem, manter a cabeça no auge de uma situação emocional e elaborar boas táticas em meio ao conflito são atributos naturais” (BOLEN, 1973, p. 78).

Todavia, Woolger&Woolger (2007, p. 68) identifica que apesar de sua força, de seu brilho e de sua independência, há um paradoxo tradicional de Atena a de uma donzela vestindo uma armadura.

Quanto mais energia a mulher-Atena dedica a desenvolver-se como alguém bem sucedida no mundo, graças a uma couraça protetora, oculta sua vulnerabilidade de menina de modo que em sua androgenia esconde um conflito de tensão não resolvido. Em seu exterior duro permanece oculta a impossibilidade de se expressar e assim tornando-se insegura no que tange encontrar sua identidade feminina integral.

De acordo com Reich (1995, p. 56), a couraça serve por um lado como proteção contra os estímulos externos e, por outro, garante a obtenção do controle sobre a libido, e essa função de defesa “combina-se com a projeção de relações infantis com o mundo exterior” (REICH, 1995, p.60) como meio de evitar o que é desagradável e, por fim, “de consumir quantidade recalcadas de energia pulsional e/ou quantidade que escaparam à repressão” (REICH, 1995, p.60).

Nascida da mente-intelecto em guerra psíquica do pai, Zeus, a deusa Atena, tornou-se distante da natural meiguice de uma mãe acolhedora, ou protetora, ou necessária para uma identificação das raízes da feminilidade, “presa num círculo vicioso cuja realidade sua mente nega” (WOOLGER&WOOLGER, 2007, p. 69).

Embora recebera um certo apoio do mundo paternal, tornou-se uma mulher ferida, que Woolger&Woolger (2007, p. 69) descreve essa sendo incapaz de atuar plenamente em qualquer um dos dois planos (feminino ou masculino), de tal forma que suas perturbações lhe consomem as energias gerando um conflito entre a camada mais profunda e uma angustiante luta interna e externa contra a tirania e opressão. Resultando como projeção de sua personalidade uma alta intensidade de raiva como descarga energética.

A altivez surge como um sentimento defensivo, e o rigor perante si mesma e o mundo como uma inflexibilidade: “O conceito de rigidez deriva da tendência, destas pessoas, a se manterem eretas, de orgulho. A cabeça, portanto, é portada bem erguida, (e) a coluna reta” (LOWEN, 1982, p.146), como também um bloqueio do terceiro nível (pescoço) explicando um “narcisismo secundário, com manifestações, não de egoísmo, mas de egotismo” (NAVARRO, 1985, p. 81), como uma grande guerreira armada e pronta para a batalha desde o seu nascimento.

O grande medo do indivíduo rígido, segundo Lowen (1982, p.146), é a de ceder e de tornar-se fraco e vulnerável, pois isto se igualaria a submeter-se a uma tendência masoquista que há subjacente.

A resistência desse caráter rígido serve como meio de evitar a negatividade e os sentimentos desagradáveis, estabelecendo e preservando um “equilíbrio psíquico (ainda que neurótico)” (REICH, 1995, p.60).

Quanto mais neurótico é esse mecanismo interno que Reich (1995, p. 209) designa como caráter fálico-narcisista, mais inoportunos são os modos de comportamento do falso eu e mais espalhafatosamente eles são exibidos, prevalecendo uma autoconfiança, algumas vezes arrogante, energética, desdenhosamente agressivo, expressado como uma necessidade de dominação pelo medo excêntrico.

Calegari (2006, p.2) indica que esse falso eu está ligado à ação e a realização e é narcisista, exigente consigo próprio e com os outros esperando ser amado a partir do que faz, não necessitando mostrar seu amor e anseios, pois teme ser ferido, baseado na função mental e de realização pessoal.

Navarro designa essa caracterialidade, fálico-narcisista, sendo pessoas “caratero-temperamentais, cuja cobertura é de forte intensidade, com caracterialidade desenvolvida, mas inadequada, por serem hiperorgonóticas-desorgonóticas, para controlar manifestações temperamentais. É a psico-neurose caracterial” (NAVARRO, 1995, p.81).

Sendo assim nossas mulheres-Atena possuem uma autopercepção muito consciente, com muita energia, mas esta desorganizada, o que explica “uma tendência à depressão, mas sempre muito bem administrada e compensada” (NAVARRO, 1985, p.81).

Quando uma mulher reconhece a perspicácia e a agudeza de sua mente como uma qualidade feminina ligada a Atena, “está apta a desenvolver uma imagem positiva de si mesma, em vez de temer que esta sendo masculinizada” (BOLEN, 1973, p. 79).

Com um forte espírito de luta, na vanguarda das novas iniciativas, Atena vem ensinar ao Sagrado Feminino o poder da estratégia, da lógica e da sagacidade.

De acordo com Woolger&Woolger (2007, p.58), a armadura é uma metáfora que descreve psicologicamente um ego bem defendido, não facilmente derrubado por críticas ou ataques a seu caráter ou a sua competência, possibilitando a personalidade-Atena ser capaz de encontrar uma resposta à altura e de transformar qualquer confronto em algo vantajoso de forma defensiva ou ofensiva em seu caminho.

A busca da “verdadeira felicidade reside na plena ativação da consciência e no desenvolvimento de seus reais potenciais” (CALEGARI, 2001, p. 141), ampliando a identidade em busca de uma totalidade.

Atena indica que a totalidade da mulher é cultivada quando esta percebe “todos os seus aspectos – tanto os sombrios como os luminosos – e escolhe as suas crenças para que sirvam ao seu mais alto benefício” (MARASHINSKY, 1997, p.131) transformando as suas aspirações em realidade, reconhecendo “o princípio do prazer como base das atitudes conscientes” (LOWEN, 1910, p.227) e fortalecendo as qualidades de sua essência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLEN, Jean Shinoda. Goddesses in Everywoman: a new psychology of woman. Nova York: Harper & Row, 1973.
CALEGARI, Dimas. Da teoria do corpo ao coração: uma visão do homem a partir da energia cósmica. São Paulo: Summus, 2001,
CALEGARI, Dimas. Raízes da Identidade. Apostila do Curso de Formação em Terapia Corporal, São Paulo: 2006.
KERÉNYI, Carl. Athene:Virgin and Mother. Tradution by Murray Stein. Zurique: Spring, 1978.
LOWEN, Alexander. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982.
LOWEN, Alexander. Prazer: uma abordagem criativa da vida. São Paulo: Summus, 1910.
MARASHINSKY, Amy Sophia. O Oráculo da Deusa. São Paulo: Cultrix, 1997.
NARDINI, Bruno. Mitologia: O primeiro encontro. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.
NAVARRO, Federico. Caracterologia Pós Reichiana. São Paulo: Summus, 1995.
REICH, Wilhelm. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
TORRANO, J.A.A. Hesíodo, Teogonia: a origem dos deuses. São Paulo: Iluminuras, 1991.
WOOLGER, Jennifer Barker & WOOLGER, Roger J. A Deusa Interior: Um guia sobre os eternos mitos femininos que moldam nossas vidas. São Paulo: Cultrix, 2007.

0 comentários:

Postar um comentário